segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Ser drag queen é um ato político

Quando RuPaul diz que ser drag queen é um ato político, eu interpreto isso de maneiras muito particulares. 
Em primeiro lugar, ser drag queen é contestar a lógica binária de gênero. Essa lógica diz que os seres humanos têm duas opções bem estritas de expressar o seu gênero e também a sua sexualidade. Segundo essa lógica, uma pessoa só pode ser homem ou mulher, ser masculino ou feminino, além disso, é preciso ter todas essas coisas alinhadas. A drag queen extrapola escancaradamente esses limites binários.
Sem querer definir o que é uma drag queen (ou tentar ditar regras), posso dizer que toda drag queen, por mais binária que seja, mesmo sem querer, contraria normas.
Em segundo lugar, eu entendo uma drag, e esta é a minha narrativa, como tendo o seu foco principal no papel de gênero. Independentemente da identidade de gênero (isto é, se vc se identifica como homem, mulher, etc) e da orientação sexual (isto é, se vc se identifica como homossexual, bissexual, etc...), a drag queen performa o feminino. Trata-se de performar o feminino de maneira consciente. A drag escolhe tudo o que há no pré-construído do que é feminino: a roupa, a peruca, a maquiagem. Há vários estilos de drag, desde aquela que busca se transformar numa menina cisgênera passável até as que são mais espalhafatosas. Não devemos esquecer também das andróginas, até elas se preocupam em performar o feminino de certa forma.
A palavra chave para uma drag queen é TRANSFORMAÇÃO. O que caracteriza uma drag queen é o fato de ela viver um ESTADO feminino, por isso, o papel de gênero que ela exerce, enquanto drag queen, é o feminino. A identidade de gênero de uma drag queen enquanto montada é o de mulher, para que as se identificam assim, ou de andrógena, ou não-binária, mas nunca o de homem. Às vezes calha de a drag queen ser uma mulher transgênera. Nesses casos, ela não deixa de ser mulher quando se desmonta (embora ela possa oscilar na feminilidade). No fundo, a drag queen exerce um papel de gênero por um tempo micro, enquanto as mulheres exercem esse papel o tempo todo. Exercer um papel de gênero momentâneo é um ato político.
O terceiro ponto a se notar é o artístico. As drag queens têm um vínculo indissociável com a arte, seja pelo simples fato da transformação em si, que já é uma arte, seja pelo caráter de suas performances. Notem que nem todas as drag queens performam, mas isso não as diminui como artistas. Fazer e proporcionar a arte também é um ato político declarado.
Ser drag queen, realmente, é um ato político, mas isso não quer dizer que todas as drag queens sejam politizadas.
A maneira como drag queens se transformam e como exercem a sua arte importam muito. Muitas se baseiam apenas nos estereótipos de gênero feminino vendido pela mídia e pelo mercado, não que isso seja errado. Mas é preciso cautela. Drag queens tendem a glamourizar as mulheres. Eu acho que mulheres, aquelas que queiram, devem ser glamourizadas, só é preciso tomar cuidado para não silenciar as opressões que elas sofrem. Ser mulher não é só glamour. É preciso também cautela com o consumo sem consciência: muitas pagam o que for necessário para ter as melhores perucas, a mais variada gama de figurinos e maquiagem. Ok! Mas consumindo por consumir o ato político de ser drag fica esvaziado. Que tal pensar em formas alternativas e, sobretudo, criativas, mais econômicas de se montar? Não tenha medo de ficar imperfeita, a perfeição também é um construto vendido pela mídia.
Sempre vejo uma drag falar mal da outra: _Olha como fulana está mal montada, mal maquiada, ela tem que aprender a esfumar direito esse olho!! Não, ela não tem que aprender nada. Quem tem que aprender é você a respeitar a individualidade de cada drag. Quando a gente faz isso, estamos performando também a rivalidade feminina que é um produto do machismo. Cuidado, meninas, vocês podem estar sendo machistas, logo, opressoras, sem perceber.
Então, posto isso, quando vamos a um shopping, devemos usar o banheiro feminino? Devemos usar roupas vulgares? De que maneira queremos que um ato seja político: respeitando as normas vigentes e sendo limpinhas e arrumadinhas para servir de animais exóticos de zoológicos? Devemos ser as palhaças da classe-média? Devemos só entreter os donos do pink money?
Acho que enquanto estiver montada e estiver performando uma identidade feminina, o banheiro deveria ser o feminino. Na verdade, é uma questão mais profunda, porque nem divisão entre banheiros deveria existir, mas para isso o machismo também não. Se vc usar o banheiro feminino, seu ato vai deixar de ser político? Ou o contrário?
É preciso criar uma regra de boa conduta para sair às ruas? Não se pode vestir vulgarmente?
Quem foi que disse que é preciso ser sempre higienizada para ser respeitada? Vestir-se de forma vulgar também pode ser um ato político: o de educar as pessoas para as diferenças.
Ao criar regras sobre o que se pode e o que não se pode estamos fazendo como os coxinhas das "revoluções" de julho que entoavam o hino nacional no seu ufanismo tosco e berravam, enquanto arrotavam seu leite com pera, o eco de "sem violência". Me desculpem pelas palavras, mas sem "violência" (não a física propriamente, pode ser a gráfica, a verbal, etc..) não há mudança, sem mudança não há conquista.

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