terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Entrevista com Indianara Siqueira

A nossa entrevistada de hoje é a admirável Indianara Siqueira. Ela é presidenta do grupo Transrevolução, que tem a finalidade de auxiliar pessoas trans. No ano passado, foi intimada a comparecer no tribunal acusada de "ultraje público ao pudor". Ela havia mostrado os seios na Marcha das Vadias do Rio. Foi a primeira a revelar na prática uma contradição da justiça, que lhe recusa a reconhecer como mulher, mas que não hesita no momento de proibi-la em andar sem camisa.

Jaqueline Furacão - Indianara, conte um pouco pra gente sobre a polêmica do topless? Qual o seu envolvimento com a Marcha das vadias?

Indianara - O topless na realidade eu faço desde 2001, me tornei adepta na Suíça (Lago Ouchy-Lausanne) onde morei e depois em Copacabana, no Rio (em frente ao Copacaban Palace). Mas tinha tido problemas antes disso por não gostar de marcas das alças de sutiã de bikini nas costas. Aí, em Santos (onde também morei), uma vez a polícia me encheu o saco e aleguei que "legalmente era homem". Se me prendessem, teriam que fazer o mesmo com todos os homens sem camisa na praia. Anos depois (2011), quando me tornei uma das organizadoras da Marcha dxs Vadixs, a polêmica voltou sobre se a polícia prenderia ou não as mulheres da marcha por conta do peito de fora. Eu disse que iria na frente, pois legalmente eu podia. E assim foi, eu tirei, as mulheres tiraram o peito pra fora e fomos em frente. Em 2012 de novo e aí houve a invasão da Igreja NSra de Copacabana e eu fiquei visada. Depois, quando chamei a polícia pra resolver problemas de transfobia contra amigas, eles diziam q pelo documento éramos homens. Então criei um protesto: "Meu peito, minha bandeira, meu direito". E saia um dia da semana à noite ou de dia com os seios desnudos por Copacabana. Aí fui detida e viralizou o caso na net. No ano passado, na marcha, foi tranquilo, mas esse ano fui detida outra vez na lapa e vou passar por outra audiência.

Jaqueline Furacão - Você ta na luta, no movimento há bastante tempo. Há quantos anos? Como vc resumiria sua trajetória?

Indianara - Eu comecei sendo treinada pelo departamento municipal de dst/aids de Santos como multiplicadora de informações e agente de prevenção. Como presidente do Grupo Filadélfia de Santos, exigimos o uso do nome social na conferência municipal de saúde em 1996. Pela 1º vez no Brasil, as Trans exigiam que um governo lhes respeitasse o nome em prontuário médico. Foi aprovado! Exigimos que casais homo fossem considerados casal de fato. E trans, na hora da internação, ficasse em ala feminina (não se falava em homens trans). Tudo isso também foi aprovado e, aí, muita emissora de tv, jornais do Brasil e exterior noticiaram o fato e a polêmica me levou ao patamar de liderança nacional e ativista. Então, ao invés de só saúde, passei a ser ativista de direitos humanos. Algumas pessoas achavam que eu era mais um rostinho bonito querendo fama, ainda mais que fui indicada por uma amiga (a Michelle de Curitiba) pra posar nua pra Big Man Internacional de Travestis. Com os anos, as pessoas viram que eu tinha vindo pra ficar. Hoje têm pessoas que dizem que eu entreguei minha juventude em prol do ativismo. Não me arrependo. Afinal, ninguém me pediu esse "sacrifício". Faço por que amo fazer e amo o ser humano. E os animais também ,a mais de dez anos sou vegana e protetora dos animais.

Jaqueline Furacão - A gente sempre ve vc muito tristinha no Facebook. Vc acha que a luta te dá forças pra seguir em frente?

Às vezes entro em depressão, pois parece que lutamos e nada conseguimos, principalmente quando termina o ano e posto o relatório das mortes de Trans assassinadas no Brasil (faço isso desde de 2011). E a violência dos fatos me choca e aterroriza. Então penso: é melhor vc escolher a maneira de morrer que morrer das maneiras atrozes que vejo. As fotos e vídeos das mortes também me chocam e deprimem. Sou ativista há mais de 20 anos e não me acostumo. Mas a militância e amigos me dão força pra continuar sim. Quando no meio de uma manifestação de milhares de pessoas alguém que vc nunca viu te abraça e diz: obrigada por vc existir, outras dizem: vc é minha inspiração,entre outras, claro que te fortalece.

Jaqueline Furacão - E seu nome vem de onde? Tem algum significado especial pra vc?

Indianara -  IN (que vem de dentro) DIANA (a lua) e RÂ (o sol) = A FILHA DO SOL E DA LUA.
Mas os brasileiros só conseguem dizer INDIANARA que descobri que em sânscrito quer dizer: beleza pura.
Tá bom também!

Jaqueline Furacão - Por que o dia da visibilidade trans é importante?


Indianara - Queríamos que esse dia não existisse, mas como existe é importante que não passe em branco, pois nos tornaria mais invisíveis do que já somos na sociedade. Temos que dar importância a esse dia para que as pessoas escutem nossas vozes e saibam que precisamos de direitos que nos são negados desde os mais básicos. E o pior é ser invisível dentro do movimento LGBT. Então, para nós, é muito importante esse dia. É o dia que as pessoas nos notam e se dão conta que existimos.

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