sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Transfobia declarada em banheiros femininos da Unicamp

No começo da semana, a pequena comunidade trans da Unicamp se deparou com um grafite de banheiro que nos deixou encafifados.
Pixado em um suporte de papel higiênico numa cabine de um banheiro feminino, estava a frase:
"Não deixem os machos ocuparem nossos espaços!" Acrescido do símbolo feminino [imagem abaixo: clique para ampliar].
Como sempre dizem que as minorias adoram se vitimizar, tentamos dar um sentido mais amplo ao dizer. Tentamos imaginar que aquilo não tinha um sentido transfóbico à priori. Imaginamos outros contextos: talvez alguma feminista quisesse falar de mulher pra mulher que homens têm invadido seus espaços de representação. Eu mesma imaginei essa frase no contexto dos anos 60/70, quando o mercado de trabalho era massivamente ocupado pelo homem. Talvez elas quisessem dizer que o "mercado de trabalho" também é um espaço para elas. Aqui na universidade, talvez estivessem querendo dizer que todos os espaços também pudessem ser femininos, que mulheres também podem ser engenheiras (além de engenheira de alimentos), físicas, químicas, etc.
Mas logo a minha análise diplomática caiu por terra. Notei que a(s) autora(s) da frase empregava(m) a palavra "machos" e não "homens". Se ela(s) quisesse(m), de fato, transmitir uma mensagem de luta pela igualdade das mulheres, ela(s) teria(m) de usar "homens". Mas a palavra escolhida foi "machos". O que essa simples palavra quer dizer é: mulheres trans, vcs não tem vagina (e mesmo que você se opere, vc não nasceu com vagina). É que pra esse tipo de gente, a vagina tal qual a da mulher cisgênera, é a essência da mulher. Então, quando ela(s) diz(em) "machos", o que ela(s) quer(em) dizer é que mesmo que a mulher trans se considere uma mulher, ela não será uma mulher verdadeira. A mulher trans é, antes de tudo, um macho. Ela tem um falo, portanto, é um macho.
Além disso, o que significa "nossos espaços"? A que espaços as autoras da frase se referem? Depois de empregar(em) "machos", o dêitico "nossos" acaba de ganhar seu referente: aquela cabine feminina, os banheiros femininos.
Sobre a(s) autor(as), não da pra saber se é uma ou mais de uma, mas a frase representa uma ideologia: a das feministas radicais, as chamadas TERFs, as quais perseguem incansavelmente mulheres trans. É um discurso de ódio: transfóbico. É um discurso ignorante: cissexista.
Depois, ao longo dos outros dias, novas frases foram encontradas. E de uma vez por todas, as mulheres trans não estão se vitimizando. Elas são, realmente, vítimas dessa visão de mundo centrada na cisgeneridade.

Outras duas frases parecidas foram encontradas em outros banheiros: "não deixe que os machos invadam seus espaços", "não exclua mulheres por causa de machos". Realmente, ela(s) tiveram a oportunidade de usar mesmo a palavra "homens", mas é "machos" que aparece reiteradamente em todas as mensagens.
E pra não restar dúvidas, ela(s) ainda fizer(am) questão de ser mais explícitas em outras mensagens: "ser mulher não é calçar nossos sapatos". Quer coisa mais essencialista que categorizar o "ser
mulher" pelo sapato? Se isso é feminismo, tá meio capenga não? [Nota: tinha outro recado em diálogo a esse que serviu para bugar a cabecinha dessa gente: "sou sapatão e não uso calçados femininos, e aí?"]
E pra arrematar, o bilhete que mais explicita a ideia de que macho tem pênis: "Vamos cortar a sua pica!".


Há muitas coisas a se pensar diante de uma atitude dessas: as mulheres trans universitárias não estão passando incólume por essa sua etapa de formação. Isso não é novidade. Todas elas estão calejadas pela transfobia e cissexismo cotidiano. Não é um grafite anônimo de banheiro que vai nos excluir, seja da universidade seja do banheiro. Mas uma coisa é certa: vocês também não passarão incólumes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página